sábado, 12 de março de 2011

Compra de Imóveis na Planta

É normal as pessoas sentirem bastante segurança quando da aquisição de um imóvel na planta, sendo para muitos a realização de um sonho.
Entretanto, para que o sonho não se transforme em pesadelo, ou ainda, para que sejam evitados dissabores, apresentamos algumas dicas para os compradores.
Inicialmente, é importante uma pesquisa sobre a “vida” da construtora, para que não se invista valores – na maioria das vezes expressivos – na compra de um imóvel cuja construtora acaba falindo no curso da obra. Uma vez constatada a solidez da construtora/incorporadora, antes de assinar o contrato o interessado deve analisar todas as suas cláusulas, sobre as quais fazemos as seguintes observações:

1) Indexadores
Normalmente, e de forma equivocada, ao comprarem imóveis na planta as pessoas não prestam a devida atenção ao indexador que é utilizado para corrigir o valor das prestações, havendo bastante controvérsia sobre qual deles melhor reflete os custos da construção sem, no entanto, ser muito onerosa ao adquirente. É sempre importante o comprador analisar a variação dos indexadores nos últimos meses.
Dois são os indexadores utilizados no mercado imobiliário brasileiro:
- CUB (Custo Unitário Básico): calculado mensalmente pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) de cada estado, leva em consideração um grupo de produtos empregados nos projetos, como é o caso, por exemplo, de areia, revestimentos, tubos, pisos, janelas. Em linhas gerais, o CUB reflete o custo básico para a construção civil. O CUB é um indexador regional fixado pelas próprias construtoras, o que, logo de início, já exige cautela antes da assinatura do contrato.
Tendo em vista que o CUB se refere ao custo para a construção civil, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que esse índice não pode ser aplicado quando se tratar de imóvel cuja obra já foi finalizada (REsp nº 936.795/SC).
- INCC (Índice Nacional da Construção Civil): revela a variação percentual dos preços da mão de obra e dos materiais no setor imobiliário.
Tal como o CUB-Sinduscon, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela sua inaplicabilidade após a conclusão da obra (AgRg no REsp nº 761.275/DF)
2) Perda de valores pagos
Muitos dos contratos possuem cláusulas estabelecendo a perda de valores em favor da construtora no caso de haver a rescisão contratual por inadimplência.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, II, estabelece que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que fixam a perda de quantias pagas pelo consumidor.
Isto, contudo, não significa que no caso de inadimplência que resulte na rescisão do contrato o consumidor tenha direito de ser reembolsado na totalidade do que pagou. Na verdade, o que a legislação proíbe é a previsão contratual de perda da integralidade dos valores pagos pelo comprador. Assim, terá direito de receber o que pagou com o desconto de alguns valores, que segundo a jurisprudência, pode ser de 25% (STJ, AgRg no REsp nº 525.444/MG). De fato, quando do fechamento do negócio, a construtora suporta gastos de natureza administrativa e operacional, como por exemplo, de corretagem e publicidade o que justifica a retenção de parte dos valores pagos.
3) Capitalização de juros – Anatocismo
Quando se fala em juros capitalizados ou compostos faz-se referência a uma prática através da qual os juros são calculados sobre os próprios juros devidos. Noutras palavras, os juros vencidos são incorporados ao capital para que sobre este novos juros sejam computados. Esta sistemática é vedada pelo Decreto nº 22.626/1933 (conhecido como “Lei da Usura”), que em seu artigo 4º estabelece que “é proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano”.
Julgando recursos que versaram sobre juros compostos o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 121, com o seguinte teor: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.
Entretanto, no que se refere às operações com instituições financeiras há que se ressaltar o entendimento da mesma Corte de Justiça firmado pela Súmula nº 596, segundo a qual “as disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.
Uma vez editada esta súmula não demorou a surgir defensores da tese de que o artigo 4º da Lei de Usura, ao vedar a capitalização de juros, não alcança os empréstimos concedidos por instituições financeiras.
Em razão dos acalorados debates sobre esses entendimentos divergentes o Poder Judiciário foi instado a se manifestar, vindo a concluir que a citada Súmula nº 596 não afasta a vedação contida no entendimento constante da Súmula nº 121, inclusive no que se refere às operações com instituições financeiras. Isto porque, quando da edição da Súmula nº 596 a Corte se referia apenas às taxas de juros e outros encargos, mas não à sobreposição de juros (anatocismo – cobrança de juros sobre juros). Nesse sentido:

“JUROS. CAPITALIZAÇÃO. A capitalização semestral de juros, ao invés da anual, só e permitida nas operações regidas por leis ou normas especiais, que expressamente o autorizem. Tal permissão não resulta do art. 31, da Lei n. 4595, de 1964. Decreto n. 22.626/1933, art. 4.. Anatocismo: sua proibição. Ius cogens. Súmula 121. Dessa proibição não estão excluídas as instituições financeiras. A súmula 596 não afasta a aplicação da súmula 121. Exemplos de leis especificas, quanto a capitalização semestral, inaplicáveis a espécie. Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido, por negativa de vigência do art. 4. Do Decreto n. 22626/1933, e contrariedade do acórdão com a Súmula 121, dando-se-lhe provimento.” (RE nº 100.336/PE).
Ressalte-se que a proibição de se calcular juros pela forma composta tem exceções previstas no próprio Decreto nº 22.626/1933, bem como sendo admitida em situações que envolvem cédulas de crédito rural, industrial e comercial, tal como consta da Súmula nº 93 do Superior Tribunal de Justiça: “A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros”.
Outras situações poderão ser legalmente previstas como passíveis de sobreposição de juros, valendo lembrar que o Código Civil (2002), em seu artigo 591, prevê a possibilidade de capitalização anual em mútuos de fins econômicos.

Desta maneira, é muito importante o adquirente de imóvel na planta verificar se no contrato não há cláusula prevendo que os juros serão calculados pela forma composta, pois isto certamente implicar maior onerosidade.
Como esclareceu o Desembargador Luiz Ambra (TJ/SP – Ap. Cív. nº 245.926-4/8-00), a Tabela Price surgiu na França que por não exisitr correção monetária não chegava a acarretar a sobreposição de juros, remunerando só, e somente só, o capital – nada a ele acrescido ou incorporado.
No Brasil, por outro lado, após a aplicação da TP (Tabela Price) e alcançado o valor da prestação, o saldo devedor é submetido a atualização mensal, e com a amortização pela Tabela Price o saldo devedor não para de crescer. Assim, as diferenças são incorporadas ao saldo total em aberto e passam a integrar o capital, sendo que sobre este novos juros incidirão (sobreposição de juros – capitalização). Clara, portanto, a mascarada capitalização de juros.

4) Multa moratória
Inegavelmente, a relação jurídica entre o comprador e a construtora/incorporadora é de natureza consumeirista, aplicando-se, portanto, as regras da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC).
O parágrafo 1º do artigo 52 dessa lei é claro ao estabelecer que “as multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação”.
Desta forma, tem-se por abusivas todas as cláusulas que fixem multas superiores a 2% no caso de mora.

5) Patrimônio de afetação
Logo no início sugerimos que o comprador fizesse uma pesquisa sobre a solidez da construtora para não sofrer as nefastas consequências de uma eventual falência.
Entretanto, pelo “patrimônio da afetação” a construtora destaca de sua propriedade um patrimônio próprio para cada empreendimento, passando a ter uma contabilidade própria, desvinculada de todas as demais operações da incorporada/construtora, atribuindo maior segurança aos adquirentes quanto à destinação dos recursos aplicados na obra.
Com o patrimônio de afetação evita-se o chamado “efeito bicicleta” ou “pedalada”, que ocorre quando as empresas que enfrentam dificuldades econômicas desviam recursos de um novo empreendimento para um anterior e assim sucessivamente.
O patrimônio de afetação todas os débitos de origem tributária, trabalhista e perante instituições financeiras, ficam restritas ao empreendimento, não se relacionando com nenhum outro compromisso ou dívida da construtora/incorporadora.
Assim, mesmo decretada a falência da construtora os adquirentes poderão continuar com a obra, procedendo à contratação de outra construtora/incorporadora, assegurando a entrega de imóvel adquirido na planta.
O ponto desagradável do patrimônio de afetação é que os compradores terão mais gastos, pois deverá ser contratada uma auditora destinada a acompanhar as contas da obra.
É importante o comprador consultar se há o registro em cartório do imóvel como patrimônio de afetação, bem como se há auditoria contratada, devendo, ainda, analisar toda a documentação sobre a regularidade da obra.
6) Outras dicas
- Sempre que o assunto for contrato, as partes devem ter muita atenção, pois mesmo aqueles que parecem ser bastante simples podem conter disposições que admitem interpretações diversas, inclusive em desfavor do consumidor. Por isso, antes de assinar qualquer contrato ou documento é interessante consultar um advogado especializado em Direito Imobiliário, pois assim poderão ser eliminadas dúvidas e até solicitada a modificação de cláusulas que possam, no futuro, gerar aborrecimentos.
- Ao ler o contrato verifique se tudo que foi ofertado e prometido pela construtora está sendo cumprido, inclusive os dados constantes do material publicitário e memorial descritivo do imóvel, estabelecendo multas para a construtora no caso de descumprimento do contrato.
- Todos os documentos relativos à construtora referentes à prefeitura e ao Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) devem ser analisados antes da assinatura do contrato ou proposta de compra, vez que assinada a proposta e havendo desistência, pode haver a incidência de multa.
- Condicione a efetivação do negócio à apresentação, pela construtora, dos seguintes documentos: certidão negativa de ações cíveis, fiscais e criminais junto à Justiça Comum e Federal; certidão negativa de ações trabalhistas; certidão trintenária do imóvel; certidão negativa de débitos junto ao Estado e ao município; declaração de inexistência de débitos condominiais; certidão da junta comercial atualizada; certidão negativa de débito do imóvel e do proprietário junto ao INSS e junto à Receita Federal e certidão de protestos do vendedor.
- Se, por hipótese, houver financiamento pela Caixa Econômica Federal, há a obrigatoriedade de a construtora elaborar a “Cartilha do Proprietário”. Nesta devem ser apresentadas algumas informações, como, por exemplo: dados básicos do contrato de financiamento; formas de utilização do FGTS; seguro; procedimento para o adquirente vistoriar o imóvel e o que fazer no caso de irregularidades; orientações ao adquirente quanto à manutenção do imóvel; noções de convivência comunitária; direitos e deveres; outras informações relevantes, surgidas no curso do projeto de trabalho social. Solicite, portanto, a sua cartilha.
- Não jogue fora o material publicitário do empreendimento (folhetos, folders, anúncios de jornais, revista, rádio, televisão e internet), pois poderão, eventualmente, servir como prova de que o produto ofertado que você pretendeu adquirir não é aquele que está sendo entregue.

CARLOS ALBERTO DEL PAPA ROSSI
Advogado, consultor em negócios imobiliários, pós-graduado em Direito Tributário (PUC/SP), pós-graduado em Direito Processual Civil (PUC/SP), MBA com ênfase em Direito Empresarial (FGV/SP), Extensão Universitária em Direito Imobiliário (FMU), autor do livro “Introdução ao Estudo das Taxas” e de artigos publicados em revistas especializadas.

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