O que se discutiu no recurso apresentado pelo MPDFT é se poderia ser considerada nula cláusula de contrato de compra e venda de imóvel que impede o adquirente de ter o direito à complementação de área ou ao abatimento de preço pago no caso em que se constate uma diferença inferior a 5% entre o total da área lançada no contrato e a efetiva.
A cláusula discutida se baseia no parágrafo único do artigo 1.136 do Código Civil de 1916, (reproduzido e atualizado no art. 500 do CC de 2002).
O artigo 1136 descreve o caso em que o preço é estipulado por medida de extensão ou pela área do imóvel determinada no contrato (ad mensuram) ou por corpo certo (ad corpus). Na prática, explica a ministra relatora, a disposição legal prevista no parágrafo único do artigo 1.136 permite concluir que, se a diferença de áreas for de até 5%, é de se considerar, salvo prova em contrário, a venda como ad corpus, ainda que as dimensões do imóvel tenham sido lançadas no contrato de compra e venda, hipótese em que o vendedor não tem qualquer responsabilidade pela diferença, o que é exatamente o teor da cláusula contestada.
A conclusão da Terceira Turma do STJ é que não pode ser considerada simplesmente enunciativa a referência à área feita nos contratos de compra e venda de imóvel adquirido ainda na planta, no caso de esses contratos serem regidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). E isso deve valer mesmo que a diferença encontrada entre a área mencionada no contrato e a real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada. Em casos assim, a venda deve ser caracterizada sempre como "por medida" (ad mensuram), de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento proporcional do preço ou a rescisão do contrato, pois esse tipo de venda atende melhor os interesses do comprador.
A ministra exemplifica que, se em 90 projeções houver diferença de área de 5%, a construtora e incorporadora terá um acréscimo mais do que significativo em sua rentabilidade, enquanto os consumidores terão um decréscimo relativo à expectativa de receber um tratamento que envolva fidelidade, lealdade, coerência e cooperação, além do correspondente à metragem suprimida.
Para a ministra, mostra-se não apenas visível, como também notória a má-fé da recorrida. "Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a interpretação mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, consideradas a imperatividade e a indisponibilidade das normas do CDC", afirma a ministra.
Processo: Resp 436853. Fonte: STJ
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RECURSO ESPECIAL Nº 436.853 - DF (2002/0056031-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
RECORRIDO : PAULO OCTÁVIO INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA
ADVOGADO : ROBERTO LUIZ DE BARROS BARRETO E OUTRO
EMENTA
Civil. Recurso especial. Contrato de compra e venda de imóvel regido pelo
Código de Defesa do Consumidor. Referência à área do imóvel. Diferença entre a área referida e a área real do bem inferior a um vigésimo (5%) da extensão total enunciada. Caracterização como venda por corpo certo. Isenção da responsabilidade do vendedor. Impossibilidade. Interpretação favorável ao consumidor. Venda por medida. Má-fé. Abuso do poder econômico. Equilíbrio contratual. Boa-fé objetiva.
- A referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel adquiridos na planta regidos pelo CDC não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no
contrato e a área real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser caracterizada sempre como por medida, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento proporcional do preço ou a rescisão do contrato.
- A disparidade entre a descrição do imóvel objeto de contrato de compra e venda e o que fisicamente existe sob titularidade do vendedor provoca instabilidade na relação contratual.
- O Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do poder econômico, com o objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade coletiva.
- Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a interpretação mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, consideradas a imperatividade e a indisponibilidade das normas do CDC.
- O juiz da eqüidade deve buscar a Justiça comutativa, analisando a qualidade do consentimento.
- Quando evidenciada a desvantagem do consumidor, ocasionada pelo desequilíbrio contratual gerado pelo abuso do poder econômico, restando, assim,
ferido o princípio da eqüidade contratual, deve ele receber uma proteção compensatória.
- Uma disposição legal não pode ser utilizada para eximir de responsabilidade o contratante que age com notória má-fé em detrimento da coletividade, pois a ninguém é permitido valer-se da lei ou de exceção prevista em lei para obtenção de benefício próprio quando este vier em prejuízo de outrem.
- Somente a preponderância da boa-fé objetiva é capaz de materializar o equilíbrio ou justiça contratual.
Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, renovando o julgamento, após a ratificação dos votos da Sra. Ministra Relatora e do Sr. Ministro Castro Filho e dos votos dos Srs. Ministros Humberto Gomes de
Barros e Ari Pargendler, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votou vencido o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes
Direito. Os Srs. Ministros Castro Filho, Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 4 de maio de 2006(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Presidente e Relatora
Fonte:STJ
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